domingo, 19 de agosto de 2012

O DOM E OS ESQUEMAS DA COMUNICAÇÃO


Introdução
A comunicação humana é inerente à natureza do homem razão porque ela é fundamental para os seres humanos. No presente trabalho tencionamos apresentar, de forma sucinta, a comunicação como dom e os respectivos esquemas à luz da obra de Pierre Babin “A era da comunicação”. No primeiro ponto abordaremos o dom da comunicação cujo vértice é Deus. No segundo ponto, falaremos dos esquemas da comunicação.

  1. O DOM DA COMUNICAÇÃO
Na óptica de Babin, para um cristão a comunicação é um dom, pois é intrínseca à natureza humana. Este dom é ao mesmo tempo uma revelação e um impulso original que se recebe de Deus. Por isso, “Deus é a base de tudo e constitui o vértice da comunicação”[1]. A revelação é a da unidade fundamental do género humano transpassado pelo amor de Deus. Deste modo, para um cristão, a essência da comunicação é a comunhão. “Os dois interlocutores entram um e outro em comunhão. Eles comunicam um ao outro e se tornam amigos”[2]. Neste sentido, emissores e receptores guardarão a mesma pele, mas a comunhão que preexiste neles age como uma fonte.
Por outro lado, Babin nos mostra que comunicar é transmitir uma mensagem que não se domina inteiramente, porque ela vem do fundo de nós mesmos, lá onde moram a necessidade e o mistério.
O projecto cristão é ser o sal da civilização da informação e da comunicação, o que não significa ser superior aos outros, mas ser duas vezes “in”, no mundo e no amor de Deus. Mas sempre apaixonado por reconstruir a unidade quebrada do género humano. Dado que a comunicação é um dom a ser partilhado e posto em acção, o feedback (o choque em retorno ao sinal enviado pelo emissor), servirá para regular as comunicações humanas, conforme uma perspectiva cristã.
A revelação da comunicação não se leva como uma glória, mas antes como um fogo que queima. Aliás, como mostramos atrás a revelação concerne ao nosso modo de ser. Ela impõe-se-nos de forma original e radical ligando-nos mutuamente uns aos outros. Destarte, “a revelação da comunicação é a revelação da comunhão fraterna de todos os homens com Deus em Cristo. A fim de criar a unidade fundamental do género humano e de corrigir todas as distorções da comunhão”[3].

  1. OS ESQUEMAS DA COMUNICAÇÃO
Nas suas cogitações Babin foi percebendo que “não existem bons ou maus esquemas de comunicação. Tudo depende do que se procura e do que se quer esclarecer”[4]. Contudo, ele propõe-nos seis (6) esquemas.

a)      Os esquemas da linguagem
Os dois primeiros (a comunicação de modulação e a comunicação alfabética) referem-se aos esquemas de linguagem. Mostram como a comunicação muda radicalmente conforme os alfabetos e as mídias que se utilizam.
A modulação indica tudo o que se apresenta aos sentidos sob forma de vibrações visuais e cujos ritmos, intensidade e extensão são hoje acentuados pela electrónica. Neste caso, comunicar não é dizer, mas participar. Não são as palavras que contam mais na comunicação, mas o envolvimento, a atmosfera, as condições materiais, as mídias utilizadas[5].
Por seu turno, a comunicação alfabética é marcada pela abstração, rigor e lógica racional. Por isso, o mais importante é falar do que escutar. A linguagem dominante é a das palavras, terminando em um discurso oral ou escrito. O feedback se exprime antes de tudo por uma troca de palavras e de ideias sobre pontos precisos.

b)     Os esquemas de afinidade
Seguem outros dois esquemas (a comunicação da amizade e a comunicação do Espírito) que surgem das afinidades, isto é, de parentescos e de acordos misteriosos entre os seres humanos. A comunicação de amizade e de Espírito sai de movimentos e atracções pessoais que escapam, em definitivo, a toda análise científica e a todo controle autoritário.
Na comunicação de amizade “as linguagens são diversas, das palavras aos actos e aos presentes. Elas se revestem geralmente de um respeito afectivo e até sentimental”[6]. Na do espírito o que se comunica é fundamentalmente “a visão que se tem de si, suas questões e problemas insolúveis, seus medos e suas tomadas de posição, suas esperanças e motivações essenciais. A comunicação de ser a ser, supõe parceiros”[7].


c)      Os esquemas da fé cristã
Os dois últimos esquemas são directamente comandados pela fé cristã. Em primeiro lugar a comunicação dos pobres. É um módulo particular de comunicação que faz Jesus dizer: “felizes os pobres”. Enfim, a comunicação da fé, domínio que toca a Igreja em seu núcleo e que não cessa de ser debatido. Não nos vamos ater sobremaneira neste sub-capítulo dos esquemas da fé, pois dizem respeito ao outro grupo não obstante terem principiado no capítulo que nos toca.

Conclusão
Depois de abordarmos de forma sumária a comunicação como um dom advindo de Deus e dos esquemas que nos facilitam na nossa comunicação, é chegado o tempo de traçarmos linhas conclusivas. Vimos atrás que por ser dom que nos é revelado no mais íntimo da nossa intimidade, o fim último da comunicação é a comunhão entre os interlocutores. Outrossim, ela obedece os critérios esquemáticos que lhe são peculiares. Estes esquemas, no seu todo, dizem respeito à vida e à fé de todos os homens na sociedade onde se encontram.

Bibliografia
BABIN, Pierre, A era da comunicação, Ed. Paulinas, São Paulo 1989.


[1] Pierre BABIN, A era da comunicação, ed. Paulinas, São Paulo 1989, p. 39.
[2] Ibidem, p. 42.
[3] Ibidem, p. 48.
[4] Ibidem, p. 49.
[5] cf. Ibidem, p. 51-59.
[6] Ibidem, p. 72.
[7] Ibidem, p. 77.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL AO ADVENTO DA CONCORDATA E DO ACORDO E ESTATUTO MISSIONÁRIO


INTRODUÇÃO

O percurso histórico da Igreja em Moçambique conheceu momentos de cuja memória a história conserva até hoje. É esta odisséia que tencionamos debulhar no presente trabalho. O nosso foco será a “Primeira Guerra Mundial ao advento da Concordata” para desembocar no “Acordo e Estatuto Missionários”. A Concordata, o Acordo e o Estatuto Missionários são actos jurídicos que conferiram à Igreja mais liberdade na efetivação da actividade missionária.

Não obstante as atrocidades que teve de atravessar a Igreja moçambicana durante a “incursão” inesperada dos portugueses importa realçar que a Igreja moçambicana, a pouco e pouco se vai autonomizando: com um clero local e com um envolvimento assaz louvável dos fiéis leigos na causa do Evangelho.

Depois de delinearmos o desenrolar da I Guerra Mundial, causas e seu impacto em Moçambique, falaremos da celebração da Concordata e do Acordo Missionário para terminar com a dissertação sobre o Estatuto Missionário.

I.       A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL

1.1.    Antecedentes

A I guerra Mundial foi antecedida por um leque enorme de causas que condicionaram a explosão desta batalha catastrófica de tamanho mundial. “O jogo de interesses pela hegemonia européia e, portanto, mundial, levou à criação de dois grupos de alianças: de um lado a Tríplice Aliança, formada pela Alemanha, Áustria-Hungria e Itália; do outro lado, o Tríplice Entendimento, que agrupava França, Rússia e Inglaterra” (RODRIGUES, 2000:54). Desta situação resultava uma instabilidade do equilíbrio europeu, que qualquer incidente poderia comprometer.

Nesta conjuntura entra também, segundo Marime, «o problema da super produção e, com ele, o da busca de mercados, o qual por sua vez, desencadeia a incessante procura de matérias primas a preços concorrenciais. E, as alterações do mapa político europeu (século XIX), na sequência do surgimento de novos Estados» (2011:71).

Detalhando, podemos aferir que, a partilha das terras da África e Ásia, na segunda metade do século XIX, gerou muitos desentendimentos entre as nações européias. Enquanto a Inglaterra e a França ficaram com grandes territórios com muitos recursos para explorar, a Alemanha e a Itália tiveram que se contentar com poucos territórios de baixo valor. Este ambiente perdurou até o início do século XX e foi um dos motivos da guerra, pois os interessados queriam mais territórios para explorar e aumentar seus recursos (cf. RODRIGUES, 2000:55).

Por outro lado, no fim do século XIX princípios do XX, as nações européias passaram a investir sobremaneira no fabrico de armamentos. O aumento das tensões gerava insegurança, fazendo assim que os investimentos militares aumentassem diante de uma possibilidade de conflito armado na região. Outrossim, a concorrência econômica entre os países europeus acirrou a disputa por mercados consumidores e matérias-primas. Amiúde, acções economicamente desleais eram tomadas por determinados países ou empresas com apoio do governo.

Enfim, a questão dos nacionalismos também esteve presente na Europa pré-guerra. Além das rivalidades havia o pan-germanismo cujo ideal era a formação de um grande império, unindo os países de origem germânica e o pan-eslavismo, sentimento de cunho russo que envolvia também outros países de origem eslava.



1.2.       Causas imediatas

Segundo os mais estudos e análises históricas, os historiadores tendem a afirmar que as causas da Primeira Guerra Mundial são extremamente complexas, tendo sido debatidas desde 1914, quando do início da mesma.

A causa imediata apontada é o assassinato, em Sarajevo (Bósnia), do Arquiduque Francisco Fernando, príncipe-herdeiro da Áustria e sua mulher pelo sérvio nacionalista G. Pzinzip, em 26 de Junho de 1914. A Áustria tomando isto como pretexto decidiu realizar uma acção punitiva contra Sérvia e declara guerra à Sérvia a 28 de Junho do mesmo ano e ataca no dia seguinte.



1.3.       O conflito

A guerra desenvolveu-se durante quatro anos e em quatro frentes: do Próximo Oriente, nas colônias africanas e asiáticas e nos diversos oceanos e mares.

Começada em 1914, esta guerra só virá a confirmar suas tendências de universalidade no ano de 1915. Tanto um bloco como outro envidaram os seus esforços no sentido de obter novas alianças. A Itália, depois de várias conversações fracassadas com a Áustria, assina com os Aliados o Pacto de Londres a 26 de Abril de 1915 e entra na guerra a seu lado. No domínio militar a ofensiva não consegue vencer posições defensivas e a guerra transforma-se em “guerra de desgaste” porque os dois grupos beligerantes não levaram a cabo operações de grande envergadura.

A guerra veio a culminar no ano de 1918. A vitória que, finalmente, foi alcançada neste ano, deveu-se mais ao desgaste das forças alemãs do que às batalhas ganhas pelos Aliados, que no campo militar, iniciaram sem dificuldades o novo ano. Depois do armistício com a Rússia, a Alemanha iniciou as negociações para a paz, em que tentou incluir os restantes países aliados.



1.4.       Consequências

A paz de Paris incluiu uma série de tratados (1919-1923) entre os Aliados e os países derrotados, sendo o principal o de Versalhes (28 de Junho de 1919). Estes, sem excepção, sofreram perdas territoriais. A Alemanha ficou sem as colónias e teve de ceder territórios a boa parte de países vizinhos. Findou a monarquia dos Habsburgo com a desagregação do Império Austro-Húngaro. Além das perdas territoriais, os países derrotados ficaram desarmados e, à excepção da Áustria, onerados com pesadíssimas reparações da guerra. Não somente não foram extintos os focos que levaram ao grande conflito armado, mas outros ainda se deixaram em gestação. “As boas intenções que presidiram à criação da Sociedade das Nações não obstaram a que se fossem desenvolvendo os elementos que desencadearam a II Guerra Mundial” (RODRIGUES, 2000:70).

Segundo Marime, “em África, desta guerra resultou a redistribuição das colónias à custa da derrota alemã, em consequência de que a Inglaterra e a França ocuparam os Camarões e o Togo que, em 1920, repartiram formalmente entre si; a Inglaterra ficaria ainda com a Tanganhica. A Bélgica ocuparia o Ruanda e o Burundi, constituindo a África Oriental belga. A união Sul-Africana ocuparia o Sudoeste Africano” (2011:73).



1.5.        O impacto da I Guerra Mundial em Moçambique

Parece absurdo imaginar a I guerra mundial no território moçambicano. Todavia, a “Pátria Amada” envolveu-se nesta guerra a partir de 1916 por via da invasão ao território, da parte dos alemãs estabelecidos no Tanganhica que, atravessando o Rovuma, invadiram os portugueses em Negomano e em Mecula (cf. MARIME, 2011:73).

Face ao ataque alemão, os portugueses retaliaram-se e expulsaram os missionários do Verbo Divino, que tinham chegado à substituição dos jesuítas, e as Irmãs Espiritanas que vinham substituir as de São José de Cluny. Muitas missões ficaram sem assistência e, por consequência da intimação, os missionários portugueses não puderam regressar a Moçambique por insegurança dos mares e carestia de vida.

A actividade missionária em Moçambique foi retomada a 8 de Março de 1919 pelo decreto 5239 emitido por Carlos Maia, Ministro português das colónias. Este decreto reactou a actividade das ordens religiosas, sob o nome de “Institutos referidos por Convenções internacionais aceites por Portugal”.

Um tempo depois, registou-se a entrada massiva de missões estrangeiras não católicas. Isto adensou a política portuguesa, pois estas missões eram equiparadas às nacionais, isto é, às portuguesas. Contudo, a partir de 1922, vários institutos religiosos começaram a chegar a Moçambique. Entre eles podemos destacar: os padres Montfortinos, vindos da Niassalandia, na jurisdição do vigário Apostólico de Chire e as Irmãs Franciscanas Hospitaleiras portuguesas. Em 1924 chegaram as irmãs da Congregação do Precioso Sangue. No ano seguinte era a vez dos religiosos do Instituto Missionário da Consolata seguidos pelas irmãs da Consolata em 1928. Em 1935, vieram as irmãs Franciscanas de Calais (Irmãs Franciscanas Missionárias de nossa Senhora). Em 1937 chegaram os padres da Sociedade Missionária Portuguesa.

Este espírito de abertura às actividades missionárias, foi acrescido por novas iniciativas  de formação do Clero indígena com a finalidade de garantir o futuro da Igreja em Moçambique. Com efeito, foram enviados para a formação em Portugal alguns candidatos dos quais em 1936 foi ordenado um frade franciscano Andre António Firmino Fernandes. Podemos destacar ainda a abertura, em 1934, na Missão de Amatongas de um Seminário eclesiástico para a formação do clero diocesano para a prelazia de Moçambique. Deste Seminário, saiu “em 1953, o primeiro sacerdote moçambicano do século XX: Frei Alexandre José Maria dos Santos”(MARIME, 2011:78) da Ordem dos Frades Menores.

II.           A CELEBRAÇÃO DA CONCORDATA

2.1. Antecedentes próximos da celebração da Concordata

A celebração da Concordata teve, como precedentes, enormes factores entre os quais: a anarquia política no inicio da era Republicana portuguesa; o golpe de 28 de Maio à ditadura e ao fascismo e a estabilidade política e socioeconómica subsequente.

De forma sumária, importa salientar que “os revolucionários que entraram a governar Portugal após o derrube da monarquia por via da proclamação da República a 5 de Outubro de 1910, ao mesmo tempo que combatiam a Igreja, digladiavam-se entre si e acabaram arrastando pelas ruas da amargura o funcionamento das instituições do Estado” (Ibidem, 79).

Com esta instabilidade política, a 28 de Maio de 1926, os militares golpearam o Estado na sequência do qual o Marechal Gomes da Costa assumiu o poder por pouco mais de um mês e foi substituído pelo General António Oscar de Fragoso Carmona que, instaurando uma ditadura, em Março de 1928, se fez eleger Presidente da República.

Sublinhando a importância do Acordo Missionário, o Cardeal Cerejeira atesta-nos que era necessário medir a acuidade do problema colonial, a nível internacional, e sentir a “responsabilidade da salvação das almas indígenas que é preciso, como se afirmava no século XVI, conquistar para Cristo e para a sua Igreja” (MOLINA, 1971:110).



2.2. Da Concordata ao Estatuto Missionário

A 7 de Maio de 1940, o Governo de Salazar assinou com a Santa Sé dois documentos que viriam a orientar toda a organização religiosa do Ultramar Português: a Concordata, que punha fim à lei de separação entre a Igreja e o Estado, do tempo do Ministro Afonso Costa (1911), e o Acordo Missionário, que regulava a questão das missões.

A partir destes instrumentos jurídicos, completados, em 1941, pelo Estatuto Missionário, a evangelização em Moçambique irá intensificar-se e desenvolver-se sistematicamente.



2.2.1. A Concordata

A Concordata entre a Santa Sé e o governo português foi assinada em Roma, a 7 de Maio de 1940 como dissemos acima. Nesta época, Portugal era interno e politicamente estável, com um governo credível e já estavam restabelecidas as relações diplomáticas com a Santa Sé. Portugal não se tinha envolvido na II Guerra Mundial e celebrava na altura o 8º centenário da Independência (cf. MARIME, 2011:82-83).

A Concordata tinha por objectivo: “regular, por mútuo acordo e de modo estável, a situação jurídica da Igreja Católica em Portugal, para a paz e maior bem da Igreja do Estado”. As grandes ideias que parecem ter dominado estes acordos eram:

*   Reconhecimento jurídico da liberdade da Igreja Católica em Portugal;

*   Restituição dos bens da Igreja em poder do Estado ou de particulares a este adquiridos;

*   Prescrever a nacionalidade portuguesa para arcebispos, bispos, párocos, reitores dos seminários e, em geral, os directores e superiores dos institutos e o direito de veto do governo contra candidatos ao episcopado se contra eles houvesse objeções políticas de carácter geral;

*   Protecção dos clérigos no exercício das suas funções e o uso do hábito religioso.

*   Reconhecimento da capelania religiosa católica nas prisões, hospitais, orfanatos e estabelecimentos militares;

*   Reconhecimento dos efeitos civis do casamento canônico, ao qual o Estado, por sua vez, assegura a proibição ao divórcio civil;

*   Autorização da entrada de missionários estrangeiros em caso de insuficiência dos missionários portugueses;

*   Estabelecimento de casas de formação e de repouso para as corporações missionárias na Metrópole.

Apesar destas leis, importa salientar que, de acordo com Oliveira, “a Concordata não restaura o antigo regime concordatário, não cria uma Igreja do Estado e nem agrava o orçamento do Estado” (OLIVEIRA, 1948:397). E forçoso é confessar que foi elaborado no alto espírito de justiça e de verdade. O Estado aceita a Igreja como ela é. Encontra o facto católico não só como um facto nacional, mas ainda como o facto fundamental da vida histórica da nação e tradu-lo juridicamente.



2.2.2. O Acordo Missionário

O Acordo Missionário era um instrumento diplomático aceite pelo Estado português e a Santa Sé para regular mais completamente as relações entre a Igreja e o Estado no que diz respeito à vida religiosa no Ultramar português.

Assim, no art. 1º, estabelece-se que “a divisão eclesiástica das colónias portuguesas será feita em dioceses e circunscrições missionárias autônomas”. O responsável pela organização da vida e apostolado da diocese é o bispo.

No artigo 2º, permite-se a chamamento dos bispos diocesanos, “a entrada de missionários estrangeiros, desde que declarem submeter-se às leis e tribunais portugueses. Esta submissão será a que convém a eclesiásticos”.

No 6º artigo encontramos a “criação das dioceses de Luanda, Nova Lisboa, Silva Porto, Lourenço Marques, Beira, Nampula e Díli. Além disso, nas ditas colónias e na Guiné poderão ser eretas circunscrições missionárias.

A Santa Sé poderá de acordo com o Governo, alterar o número das dioceses e circunscrições missionárias. Os limites das dioceses e circunscrições missionárias serão fixadas pela Santa Sé, de maneira a corresponderem, na medida do possível, à divisão administrativa e sempre dentro dos limites do território português.

No 9º artigo prevê-se a concessão de subsídios do governo da metrópole e das colônias às corporações missionárias, segundo a necessidade destas e independentemente dos auxílios que receberem da Santa Sé. Por seu turno, no 10º artigo é prevista a concessão gratuita de terrenos às missões; no artigo seguinte a isenção de impostos e direitos sobre as aquisições de objectos de culto e outros a submeter casuisticamente, quando conexos com actividades missionárias.

No 12º artigo, é reconhecido aos bispos o direito a honorários pagos pelo Estado, com excepção de ajudas de custo e o direito à aposentação por conta do mesmo Estado. No artigo 14º é assegurado ao pessoal missionário o direito a abono de viagens, por conta do Estado, ao requerimento dos ordinários respectivos.

No 15º artigo, é concedida a liberdade de fundação de escolas para indígenas e europeus, colégios, institutos, seminários, catecumenatos, ambulâncias, hospitais, bem como a assistência religiosa a súbditos portugueses em territórios estrangeiros. O artigo seguinte, fixa que “nas escolas indígenas é obrigatório o ensino da língua portuguesa, ficando plenamente livre, em harmonia com os princípios da Igreja, o uso da língua indígena no ensino da religião católica”.

No 17º artigo, esclarece-se que os ordinários, os missionários, o pessoal auxiliar e as irmãs e irmãos missionários não são funcionários públicos. E no artigo 18, estabelece-se a obrigação de, anualmente, os ordinários e os superiores das corporações missionárias apresentarem os relatórios das actividades do ano anterior.

Sintetizando, com o Acordo Missionário “os territórios eram divididos em dioceses e circunscrições missionárias autónomas; além do reconhecimento missionário, estabeleceram-se subsídios governamentais e as missões passaram a gozar de alguns privilégios fiscais. O pessoal envolvido na missionação recebia honorários do Governo” (CAIXINHAS, 1999:448).



2.2.3. O Estatuto missionário

O Estatuto Missionário foi aprovado a 5 de Abril de 1941 pelo Decreto-Lei no 31207. Inicialmente, a Concordata e o Acordo Missionário, celebrados entre o governo português e a Santa Sé, “foram saudados como um bom passo para o reconhecimento da liberdade de acção da Igreja. Com tais acordos facilitava-se a entrada de missionários em Moçambique e prometiam-se subsídios à Igreja Católica” (SOUSA & CORREIA, 1998:75).

Por outro lado, com o Estatuto Missionário reconheceu-se a organização eclesiástica; atribuíam-se subsídios às novas dioceses e confiou-se às missões o ensino nas escolas para os nativos (2º art.). Mediante estes acordos, as missões portuguesas continuavam a não depender da Congregação da Propaganda da Fé. Ao mesmo tempo, abolia-se a prelazia de Moçambique e criavam-se as três primeiras dioceses supracitadas.

Consequentemente, a partir de 1940, com a Concordata e o Acordo Missionário, aumentou consideravelmente o número de congregações religiosas masculinas e femininas.



2.3. O Impacto destes acordos na evangelização da Igreja moçambicana

Poder-se-á afirmar, sem margem para o erro, que o modelo de evangelização posto em prática, durante esta primeira fase sob a égide do Acordo Missionário, foi, simultaneamente, de uma “pastoral de transplantação” e duma “pastoral de cristandade” ambos inspirados pela ideia do padroado, que acabava de ser modernizada pelos novos instrumentos jurídicos que acompanhavam a Concordata. O objectivo deste método era “integração dos povos do padroado no mundo português, através da irradiação da civilização lusitana e das tradições cristãs” (FERREIRA, 1987:76).

Este ideal de integrar os povos das colónias permaneceu vivo, na maioria das missões até a independência. “A Igreja transplantou-se da Europa para aqui. Repetem-se os costumes, as fórmulas, os estilos. Os valores próprios dos diversos grupos ou camadas do povo são desconhecidos ou não aceites”(Cons. Pastoral da Matola, 1974:5).

Como precisamos antes, um dos objectivos prioritários da grande reorganização missionária, de 1940, era o de erigir pelo menos uma residência ou centro de evangelização. A Igreja era concebida como fortaleza e refúgio, onde as pessoas deviam ir. Ela era, sobretudo, a hierarquia, a instituição, o rito. Dava-se o primeiro lugar às práticas, às devoções, à sacramentalização massiva do povo simples e ignorante.

A finalidade da acção missionária neste tempo era a conversão das almas, o cuidado das almas e de ganhar para Cristo o maior número de almas possíveis (cf. BENTO XV, 1919:34), retomando a política de evangelização adotada por Bento XV decênios muito pretéritos.

Entrementes, com a nova política de implantação da Igreja, como transplantação da instituição eclesiástica, era quase imposta pelas ideias também reinantes duma pastoral de cristandade. Insistia-se num alargamento quantitativo e geográfico, que produzia muitos baptizados, mas dificilmente criava comunidades cristãs.

“As comunidades eram rebanhos obedientes e dóceis, aceitando o alimento que lhes era dado, sem terem a possibilidade de se exprimir para pedir outro alimento mais a seu gosto e mais apto às suas necessidades. Muitos actos cristãos não eram actos humanos. Eram realizados, mas não compreendidos”(FERREIRA, 1987:79). O modo de evangelização baseava-se predominantemente na escolarização, com a mentalidade concordatária e integradora que lhe era inerente.



III.   APRECIAÇÃO DO GRUPO

Infelizmente a I Guerra Mundial também teve consequências na missão evangelizadora da Igreja em Moçambique. Isto foi devido à entrada de Portugal na guerra contra os alemães em 1916. Como efeito, “os padres do Verbo Divino são obrigados a deixar a missão” (SOUSA, 1991:88).

Apesar da dedicação e sacrifício dos padres diocesanos, a Igreja de Moçambique, com o abandono forçado de tantos missionários não deixou de sofrer um duro golpe. Será um atraso no seu crescimento, mas a força de espírito que animou os que foram expulsos conduzirá, um dia, novos missionários que retomarão a obra encetada por tão heróicos apóstolos.

É certo que o regime de colaboração criado pelos novos acordos trouxe muitas vantagens para a nossa Igreja. Não faltaram incompreensões geradoras de conflitos, completamente contrários ao espírito da Concordata. Mas devemos lamentar o espírito que acompanhou o processo de missionação. Este fez das terras de missão receptáculos inconscientes do Evangelho de Cristo e os nativos foram forçados a abandonar as suas práticas culturais e vivências religiosas.

CONCLUSÃO

Apesar da Primeira Guerra Mundial ter sido desencadeada após a cadeia de acontecimentos que se seguiram ao assassinato de Francisco, as origens da guerra são muito mais profundas, envolvendo uma série de questões em torno de políticas nacionais, culturas, economia e uma teia de complexas alianças e contrabalanças que se desenvolveram entre as diferentes potências européias ao longo do século XIX após a derrota final de Napoleão Bonaparte em 1815 e o Congresso de Viena.

Algumas das principais causas para o início do conflito foram: o imperialismo; as disputas prévias não resolvidas; um complexo sistema de alianças; governos não-unificados; os atrasos e discrepâncias nas comunicações diplomáticas; a corrida armamentista; o planejamento militar rígido; e movimentos ultra-nacionalistas, como o irredentismo;

Inicialmente a Concordata e o Acordo missionário celebrados entre o governo português e a Santa Sé foram saudados como um bom passo para o reconhecimento da liberdade de acção da Igreja. Com tais acordos, facilitava-se a entrada de missionários em Moçambique e prometiam-se subsídios à Igreja Católica conforme assinalamos anteriormente.

Com o Estatuto Missionário reconhece-se a organização eclesiástica, atribuíam-se subsídios às novas dioceses, e confiou-se às missões o ensino nas escolas para os nativos. Esta colaboração quase obrigava a acção missionária que actuasse em moldes nacionais. Mediante estes acordos as missões portuguesas continuaram a não depender da Congregação da Propaganda Fide.

Ao mesmo tempo que apoiava-se a prelazia de Moçambique e criava-se as três primeiras dioceses: Lourenço Marques (Maputo), Beira e Nampula. A partir de 1940 com a Concordata e Acordo Missionário aumentou consideravelmente o número de congregações religiosas: masculinas e femininas. O governo português tinha o direito de veto, nas nomeações dos bispos, e criou-se a hierarquia com a sede arcebispal em Maputo.



















BIBLIOGRAFIA

CAIXINHAS, Maria L., Acorodo Missionário, in Enciclopédia Verbo, vol. 1, ed. Verbo, Lisboa 1999.

Conselho Pastoral da Matola, in Comunicado do Conselho Presbiteral de Maputo 1974.

FERREIRA, Luciano da Costa, Igreja Ministerial e Moçambique, Silvas-CTG, Lisboa 1987.

MARIME, Benedito, Lições de história da Igreja Católica em Moçambique, ed. do autor, Maputo 2011.

MOLINA, António J., Domination coloniale et evangelization au Mozambique, ed. L`Age d`Home, Paris 1971.

OLIVEIRA, Miguel de, História eclesiástica de Portugal, União Gráfica, Lisboa 1948.

RODRIGUES, F. De Barros, () Guerra Mundial (I) in Enciclopédia Luso-brasileira de cultura, Vol. 14, ed. Verbo, Lisboa 2000.

SOUSA, José Augusto Álves de (), Os jesuítas em Moçambique 1541-1991, ed. AI, Braga 1991.

SOUSA, José A. de, F. Correia () 500 anos de evangelização em Moçambique, ed. AI, Braga 1998.