quarta-feira, 10 de outubro de 2012

QUEM É DEUS

INTRODUÇÃO
O presente trabalho reflecte sobre Quem é Deus. Ele se fundamenta na obra de Jean-Claude Barreau. O seu objectivo geral consiste em analisar e apresentar o Deus dos Evangelhos, e como Jesus Cristo nos revela. Quanto aos objectivos específicos, ele pretende clarificar as várias concepções erróneas que as pessoas têm sobre Deus. Comparar o Deus dos Evangelhos com as imagens dos deuses que os homens criam. Aprofundar a Teologia Trinitária, sobretudo o Deus Pai, a partir da revelação feita por Jesus Cristo que se encontra nos Evangelhos. Compreender o Dom eterno do Pai revelado pelo Filho por meio do Espírito Santo. Perceber a relação do amor Trinitário (Pai, Filho, e Espírito Santo). E demostrar que as imagens de ”deus” criadas pelos homens são ídolos e não Deus. Portanto, o tema em epígrafe, está dentro do curso da Teologia Dogmática e Trinitária. Pois, quando não se compreende bem que em Deus se acredita, não se é capaz de distinguir o verdadeiro Deus dos falsos deuses. Assim, percebendo bem Quem é Deus, é possível falar melhor dele sem cair na idolatria. Por outro lado, o tema é relevante porque vai ao encontro da questão do florescimento de seitas do nosso tempo. Para uma boa compreensão o nosso trabalho está divido em três capítulos. No 1º precisaremos Quem é Deus; no 2º apresentaremos as dimensões do homem e no 3º e último dedicaremos uma atenção singular sobre o Espírito Santo. Por fim apresentaremos uma conclusão geral e a bibliografia.

I. QUEM É DEUS
De um modo geral, quando se fala de Deus, sempre há duas posições antagónicas: a dos que se declaram e afirmam crer em Deus e a dos que recusam crer em Deus. Assim sendo, se pode concluir que na esfera humana há crentes e ateus. No entanto, a questão que surge é a seguinte: que Deus se crê, ou então, se recusa? Com base a esta questão fundamental, iniciaremos a fazer uma precisão do termo Deus.

1.1. Precisão do termo Deus
O crer ou não em Deus não constitui o grande problema sobre Quem é Deus. Pois, mesmo que o sujeito afirme ou negue; acredite ou recuse em Deus, Ele continua sempre Deus. Alias, a essência divina não aumenta nem diminui com as afirmações humanas. Deus é Deus com ou sem as afirmações humanas. «Deus é Deus enquanto Deus» (BARREAU, 1972: 9). O grande problema sobre o tema em epígrafe, reside na compreensão daquilo que o sujeito acredita ou nega, ou seja, em que Deus acredita ou nega. A incompreensão sobre quem é Deus é motivada pela ambiguidade do termo Deus. Para Barreau, «não há termo que seja mais ambíguo do que "Deus". A afirmação ou negação deste termo é imprescindível saber o que se entende por esta palavra» (Ibidem: 9).
Quando se está diante de alguém que confessa ou negue acreditar em Deus, «a primeira atitude face a esta pessoa é questionar em que Deus acredita ou nega. Pois, muitas das vezes, as pessoas de facto negam verdadeiramente de um "deus" que não é Deus» (Ibidem). Porque na maioria das vezes, as pessoas têm uma imagem de "deus" fruto das suas imaginações. Entretanto, o "deus" fruto da imaginação pessoal não corresponde com o verdadeiro Deus, Aquele que foi revelado por Jesus Cristo do qual os evangelhos falam. «O "deus" fruto da imaginação pessoal não é "deus" e nem é digno de ser acreditado, mas sim, de ser demolido porque é um ídolo» (Ibidem). O verdadeiro Deus é O dos evangelhos, do qual Jesus Cristo nos revelou. Este Deus dos evangelhos é que é digno de ser adorado. Portanto, o verdadeiro Deus é o Deus de Amor (1Jo 4, 8).

1.1.1. Deus e os ídolos
A idolatria é uma prática que desde a antiguidade e até aos dias de hoje acompanhou e acompanha os homens. Diante deste facto, o cristão como homem religioso deve saber distinguir os falsos deuses do verdadeiro. Deve saber também que «o estado, o partido, a pátria, o dinheiro, o sexo e até a própria igreja, são meios dos quais é necessário servir-se para ir ao encontro do Deus verdadeiro» (Ibidem: 13). Se estas realidades, no lugar de serem meios, são concebidas como fins a servi-los, então, a pessoa que assim o faz, é idólatra. Pois, ela está a divinizá-los. Nos parágrafos abaixo, estão mencionados alguns tipos de falsos deuses e ídolos segundo Barreau.

1.1.2. O "deus" da magia
Maior número das pessoas professa este "deus". «Nasce das angústias e ilusões dos homens» (Ibidem). É um "deus" sem fisionomia, portanto, «é uma coisa ameaçadora, um poder vago que inquieta as pessoas e com ele é necessário fazer certos contratos. Este "deus" é invocado nos momentos em que se fraqueja. Ele serve de último recurso» (Ibidem). Para buscar reconciliação com ele, é necessária a realização de ritos mágicos. A sua actuação é automática desde que a disposição dos que cumprem os ritos seja boa. Porém, este "deus" nasce do medo. E «o medo degrada o homem» (Ibidem). E em última instância, «o medo é o sinal clínico de uma atitude religiosa mágica» (Ibidem: 14). Face a isso, o cristão como homem religioso, não pode ser alguém que se curva diante de um ídolo por causa do medo. Aliás, Cristo não criticou os Apóstolos por não ter virtudes, mas por não ter fé (Mc 4, 40). Portanto, o que um cristão precisa para vencer os seus medos é a fé. Pois, a fé liberta o homem dos seus medos.

1.1.3. O Deus Omnipotente
Normalmente, quando se fala de Deus todo-poderoso as pessoas imaginam em um «Deus ditador que tudo pode fazer e que é responsável de todo o mal» (Ibidem: 18). Com base a este modo de pensar, aceita-se a ideia segundo a qual «se Deus é todo-poderoso, Ele é o culpado de todo o mal que existe no mundo, pois Ele poderia impedi-lo, mas não o faz» (Ibidem). Este mal-entendido, muitas das vezes dá origem ao Ateismo Moderno. «Deus é todo-poderoso, porém, Ele não é responsável pelo mal no mundo. Pois, o mal tem origem no coração do próprio homem» (Ibidem: 45). Há tanto mal no mundo porque os homens não deixam possibilidades para Deus actuar. «Deus não age sem nós porque nos ama e mendiga nossa resposta sem desanimar e, muitas das vezes esta resposta é negativa. Deus nos pede de O deixarmos agir e entrar» (Ibidem: 46).



1.1. 4 "deus" utilidade
O "deus" utilidade é um dos ídolos que um bom número das pessoas recorre quando têm necessidades. Porque, acreditam que ele é o "deus" dos exames, das batalhas, das satisfações pessoais. Os que recorrem a este "deus", acreditam que ele é um "deus" que está sempre do seu lado e contra os adversários. Ele é um "tapa-buracos", e se recorre a ele quando se tem necessidade e deve ser sempre favorável aos que lhe invocam.  

1.1.5. O Deus bondoso
A respeito do Deus bondoso há também um mal-entendido. Porque as pessoas se servem deste Deus bondoso para justificarem a ordem moral. Na opinião de Barreau, a Igreja tende a transmitir a moral do Deus bondoso, mais do que a fé no Deus do Evangelho. Para ele, os que desejam receber os sacramentos de iniciação, são ensinados antes da fé as virtudes morais, depois são paulatinamente introduzidos nas questões da fé. Segundo ele, «o comportamento do homem depende de suas convicções profundas de sua fé, depois estas convicções transformam-se no seu agir» (Ibidem 22). Então, Barreau se questiona se os cristãos são melhores que os outros? E ele constatou que na vivência quotidiana do homem em geral, há homens com comportamento digno, mas que não são cristãos. Daí que os «cristãos não são os únicos melhores moralmente» (Ibidem: 23). Em sua conclusão, o Deus bondoso, não resiste à descoberta de virtudes pagãs, e a lei moral não necessita dele como garantia.

1.2. As imagens de Deus na Bíblia
As imagens de Deus que se encontram na Bíblia, que também Jesus as usa, são tão distantes com as que os homens criam. Isso porque «Deus não é objecto de conhecimento» (Ibidem: 38). Ou seja, Deus não deve ser colocado no nível de conhecimento racional, mas na união e encontro com os homens. Pois, «Deus é uma pessoa que se revela por meio dos profetas e por Jesus Cristo» (Ibidem). Por isso, tudo o que alguém diz a respeito de Deus em termos positivos, «não define Sua natureza mas o que cerca a Sua natureza, porque Deus é mais do que tudo o que se pode dizer a Seu respeito» (Ibidem). Deus é sempre maior do que pensamos. Ou seja, «Deus não se deixa limitar» (BLANK, 1988: 33).


1.2.1 Deus amante
A figura do amante é uma das imagens que muitos profetas se serviram para falarem de Deus aos seus interlocutores. O profeta Oseias, por exemplo, mostra Deus como «o amado que promete felicidade à sua amada» (Os 2, 21-22). Na profecia de Isaías, se encontra «Deus como o esposo que perdoa a esposa infiel» (Is 54, 5-8). Como se pode notar, o amor patente nestas citações bíblicas, muitas das vezes, está cheio de mal-entendido. Pois, a amada de Deus (o povo de Israel), se prostitui, foge e até não quer reconhecer o seu amante. Contudo, Deus como amante do povo, nunca se cansa e continuamente está fiel ao seu povo. Isso porque «o Amor de Deus vence todas as dificuldades, e é mais forte que a morte. E não há nada que lhe pode submergir» (Ct 8,6-7).

1.2.2. O Deus de Aliança
A Aliança é um dos temas privilegiados no Antigo Testamento. «O Deus que Jesus chama de Pai, é esse que inaugurou a história de libertação» (FERREIRA, 1970: 23). E devido a sua importância, Jesus retoma apresentando-se como o noivo, o esposo no meio dos seus (Mc 2,19), como Aquele esposo que convida os convivas das núpcias de um modo imprevisto (Mc 14,17). Uma vez que Deus é o esposo, o amante de Israel, então, o problema sobre a omnipotência de Deus que muitas vezes é levantado, se situa num outro plano. «Deus é omnipotente, porém, a Sua omnipotência não se faz sentir diante da liberdade humana. Pois, Deus tudo pode, mas não obriga os homens a Lhe amarem» (BARREAU, 1972: 41).

1.3. O Deus dos Evangelhos
«Dizer que Deus é Pai é dizer que Deus é fonte da vida. Pois, Deus nos cria, nos faz, nos mantém vivos a cada minuto da nossa existência» (BINGEMER, 2003: 18). Portanto, Ele é nosso Pai. A designação de Deus por Pai, só se encontra no Novo Testamento. Jesus quando se dirigia a Deus, na sua língua materna usa a palavra Abba (Paizinho). Ele chamando Deus por Pai, fazia sobre Deus a mais extraordinária revelação. Deus não é somente Amor, é Pai, não só de Jesus, Filho único, mas também nosso Pai. «Deus é amor e justamente porque é amor, Deus é comunhão do Pai, Filho e Espírito Santo» (COMASTRI, 2000: 117). Entretanto, por meio de Jesus Cristo que se fez nosso irmão segundo a natureza humana, tornamo-nos filhos adoptivos de Deus. E com Jesus, temos o privilégio de dizermos Abba, como Ele dizia. A revelação da paternidade de Deus, por meio de Jesus Cristo, introduz-nos no maior segredo de Deus.
II. AS DIMENSÕES DO HOMEM
O homem durante o seu percurso sobre a terra é caracterizado por três dimensões: a dimensão vertical, horizontal e a interior.

            2.1. Dimensão vertical
            Esta dimensão coloca o homem em relação com tudo o que está acima dele: «Deus, a tradição, os valores morais, a pátria, o estado e o património» (BARREAU, 1972: 42). Estas categorias, vêm directamente de Deus. Portanto, na dimensão vertical, se reconhece Deus como Pai, do qual Jesus fala continuamente. E os traços deste Pai, se encontram na parábola do filho pródigo (Lc15, 11-32), que vendo seu filho chegar de longe, corre para lançar-se-lhe ao pescoço e abraçar. Entretanto, Deus é um Pai de ternura que respeita os seus filhos. Porque «Deus como amante, Ele nos quer livres e livremente Ele deseja ser amado. E quando chama a quem quer que seja, nada está montado previamente. O Seu chamado dá fundamentos à liberdade da amada. Pois, Deus nos chama e nos faz livres» (Ibidem).

2.2. Dimensão horizontal
            A dimensão horizontal coloca o homem em relação com tudo o que está à sua volta: os irmãos, amigos, e os seus semelhantes. Aqui o homem vive os valores universais da fraternidade e igualdade. O característico nesta dimensão, é a irmandade. A dimensão horizontal, atingiu o seu ponto máximo em Jesus, porque «Ele revelou-nos Deus como fraterno. Porque Ele como o Emanuel, veio habitar no meio de nós, para nos salvar e nos libertar do pecado» (Ibidem: 54). Entretanto, na dimensão horizontal, o homem contempla o rosto de Jesus Cristo, a partir dos rostos dos irmãos. Pois, foi Ele que disse: «tive fome e me deste de comer, tive sede e me destes de beber» (Mt 26, 35).

            2.3. Dimensão espiritual
            Na dimensão espiritual, o homem se coloca em relação com o que está dentro de si mesmo. É o mundo da alma, do espírito, do instinto e da intuição. O homem na sua intimidade encontra os valores próprios da interioridade. Estes por sua vez, não tem nada a ver com a subjectividade, porque a categoria da subjectividade difere com a da interioridade, pois, «a subjectividade fecha o homem no seu pequeno mundo individual, enquanto a interioridade coloca-o em comunicação com as fontes mais profundas do ser» (Ibidem: 51). O homem quando se coloca na sua interioridade, entra em relação com Deus que está dentro de si. Porque «Deus está em nós mesmos, como nosso Espírito» (Ibidem). E quando o homem vai até o fundo do seu coração, lá O encontra, como muito bem Santo Agostinho observou ao dizer: «Deus é mais íntimo a mim mesmo do que a minha própria intimidade» (A Busca de Deus: Nos Solilóquios de S. Agostinho). Com estas dimensões, se percebe que o homem precisa de se relacionar com o que está acima, em volta e com o que está dentro de si.

III. ESPÍRITO SANTO
O Espírito Santo é aquele que abre «o mundo de Deus ao mundo dos homens e a história humana e constitui a comunidade dos homens no amor do Pai e do Filho» (FORTE, 1987: 114). Dai que «ninguém pode dizer: Jesus é o Senhor a não ser no Espírito Santo» (1Cor 12,3). Ou seja, «sem o Filho, não conhecemos nem o Pai nem o Espírito. Assim como, sem o Espírito Santo, não conhecemos o Pai e o Filho» (FERREIRA, 1970: 18). Portanto, «Deus age em união com o Filho e o Espírito Santo» (SCHULTE, 1972: 318). E o revelador do Pai e do Filho é o Espírito Santo. Entretanto, todas as vezes que o homem deseja conhecer quem é Deus, em nenhum momento se vê fora do Espírito Santo. Pois, Ele é «a luz sob o qual se contempla o mistério de Deus» (Ibidem: 18).

            3. 1. Acção do Espírito Santo
Em hebraico ruah significa sopro, ou então, vento. Este sopro pode ser entendido como sendo aquela «força que sustém e anima o corpo e a sua massa» (DUFOUR, 2002: 294). Este sustentáculo não é propriedade do homem, embora ele não possa viver sem ele, e morre quando este sopro respiratório falta. O sopro do homem vem de Deus (Gn 2, 7; 6, 3; Jo 33, 4). E a Ele volta com a morte do homem (Jó 34, 14; Sl 15, 11). Quando se fala do Espírito Santo, terceira pessoa da Santíssima Trindade, logo a primeira impressão dos que falam, pensam ou imaginam uma realidade vaga, sem forma corpórea. Portanto, o Espírito Santo é algo que não oferece uma clara concepção. Pelo contrário, Ele se faz visível a nós pelos seus efeitos. A sua presença é notória na nossa vida a partir dos seus frutos, aqueles que muito bem São Paulo fala aos Gálatas: «o amor, a alegria, a paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, autodomínio» (Gl 5, 16-25).
A acção do Espírito Santo, também pode ser vista na história dos povos e na vida de cada um. Por exemplo, na Bíblia, logo no Antigo Testamento, se encontra a acção do Espírito Santo, que esteve presente na criação do mundo e do homem (Gn 1, 1-2; 2, 7). A mesma acção do Espírito Santo, esteve também presente e acompanhou a missão dos profetas, para que em nome de Deus defendessem os pobres e os oprimidos, e suscitar nas pessoas o conhecimento segundo o qual elas são filhos de Deus.
            No Novo Testamento, se encontra a acção do Espírito Santo, presente no nascimento de Jesus (Lc 1, 34-35), na Sua missão desde o Baptismo (Lc 4, 1-14), esteve também no Pentecostes como a força motriz para a comunidade dos Apóstolos reunida (Act 2, 1-4). Portanto, o Espírito Santo está presente nas boas acções que se realizam no nosso mundo. Por isso, é importante reconhecer a presença do Espírito Santo na nossa vida como o motor das boas acções e da evangelização. «O Espírito Santo trabalha connosco sem nós, não actua. O vento do Espírito Santo, irrompe nas portas dos nossos corações. Se elas estiverem fechadas, Ele fica rodopiando de lado de fora» (BARREAU, 1972: 72). Mas, se abrimos as portas dos nossos corações, pequena brecha que seja, a «ruah» de Deus, irrompe em nós, e por meio de nós, a sua força se expandirá no mundo inteiro, e seu fogo pega e torna-se devorador.

            3. 2. As consequências do esquecimento do Espírito Santo
            O agir de Deus, a vida de Deus é o Espírito Santo. «O Espírito Santo é uma presença contínua e anónima em nós» (Ibidem: 62). Este Espírito Santo, possui uma multiplicidade de rostos. Daí que, de certa forma, Ele assume na realidade o rosto de cada um dos nossos irmãos. «Uma vez que o Espírito Santo é o vento que nos impele a praticarmos o bem, e a evitarmos o mal, Ele não pode agir fora de nós. Pois, precisa da nossa colaboração» (Ibidem).
            Quando o homem se deixa guiar por meio do Espírito Santo, ele é capaz de exclamar como Jesus: Abba, (Pai). Pois, o Espírito Santo sopra vivamente nele (Mc 14, 36). Todavia, quando se esquece que a vida de Deus é Espírito Santo (ruah), o homem vive consequências drásticas na sua vida, ele vive de proibições e como resultado, se esquece de praticar a justiça (Lc 10, 29-37). Portanto, «a obediência cega da Lei e das rubricas de um culto passado, provoca desprezo ao próximo» (Ibidem: 63). Entretanto, quando se ignora a presença do Espírito Santo, há uma posição irredutível às tendências legalistas e se confunde o sagrado do profano, a Igreja com o mundo, o natural com o sobrenatural. Mas, para um cristão, animado pelo Espírito Santo, não pode distinguir «Igreja e o mundo, porque a Igreja é o mundo quando este mundo toma consciência, por Cristo de ser amado por Deus» (Ibidem: 65).

            3. 3. A crise do Espírito Santo
Em breves linhas neste tema se pretende falar o que acontece com o homem quando se esquece ou fecha as portas do seu coração ao Espírito Santo. Fazendo um reparo o nosso tempo, a medicina as outras ciências atingiram avanços e progresso consideráveis. Estes progressos fizeram com que muitas pessoas depositassem maior confiança nestes avanços tecnológicos. No entanto, apesar dos ganhos adquiridos por estas ciências, o homem se sente incapaz de se livrar do «desprezo, do racismo, do ódio e da guerra» (Ibidem: 88). Face a tudo isso, o homem se interroga sobre a sua existência, o seu ser e o sentido da vida. A razão do questionamento do homem é que apesar do grande progresso científico e tecnológico, «a própria ciência não abre nenhum caminho para que o homem se reconheça e se livre da violência, do desprezo e do mal» (Ibidem). Diante de tudo isso, o homem aos poucos começa a acreditar que a ciência não traz a almejada felicidade. Acredita também que o consumo dos bens materiais não lhe satisfaz a sede de possuir mais. Pois, enquanto possui isto, deseja aquilo. Daí a insaciável fome material. Por isso, o homem se interroga: «quem pode fazer de nós verdadeiros seres vivos?» (Ibidem).
A esta pergunta o homem encontra o fundamento «em Jesus Cristo, vencedor da morte, como Aquele que nos pode fazer viver e nos dá coragem sempre renovada para lutar contra todas as alienações fundamentais da nossa condição humana» (Ibidem: 89). Assim sendo, «o homem só compreende tudo isso por intermédio do Espírito Santo que lhe fala no seu coração e lhe permite reconhecer que Jesus de Nazaré é o nosso Senhor e Deus é nosso Pai» (Ibidem: 70).

CONCLUSÃO
Chegado ao fim desta abordagem sobre Quem é Deus, se pode concluir que o crer ou não em Deus, não constitui o grande problema sobre o tema em questão. Pois, mesmo que a pessoa acredite ou negue a Deus, Ele continua sempre Deus. A essência divina não aumenta nem diminui com as afirmações humanas. «Deus é Deus enquanto Deus» (Ibidem: 9). Por outro lado, as imagens de Deus que se econtram na Bíblia, que também Jesus as usa, são tão distantes com as que os homens criam. Isso porque «Deus não é objecto de conhecimento» (Ibidem: 38). Deus não deve ser colocado no nível de conhecimento lógico ou intelectual mas na união e encontro com os homens. Porque «Deus é uma pessoa que se revela por meio dos profetas e por Jesus Cristo» (Ibidem). Por isso, tudo o que alguém diz a respeito de Deus em termos positivos, «não define Sua natureza mas o que cerca a Sua natureza, porque Deus é mais do que tudo o que se pode dizer a Seu respeito» (Ibidem). Assim sendo, «ninguém pode dizer: Jesus é o Senhor a não ser no Espírito Santo» (1Cor 12, 3). Ou seja, «sem o Filho, não conhecemos nem o Pai nem o Espírito Santo. Assim como, sem o Espírito Santo, não conhecemos o Pai e o Filho» (FERREIRA, 1970: 18). Portanto, o revelador do Pai e do Filho encarnado é o Espírito Santo.
A presença do Espírito Santo é notória na nossa vida a partir dos seus frutos, «o amor, a alegria, a paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, autodomínio» (Gl 5, 16-25). Portanto, quando o homem se deixa guiar por meio do Espírito Santo, ele é capaz de exclamar como Jesus: Abba, (Pai). Pois, o Espírito Santo, sopra vivamente nele (Mc 14, 36). Todavia, quando se esquece que a vida de Deus é Espírito Santo (ruah), o homem vive consequências drásticas na sua vida. E uma delas actualmente é o abandono da fé critã de alguns baptizados, para as seitas, com o intuito de terem uma vida facil, sem sacrificios. Mas, depois de tanto correrem atrás do vento que não salva, ganham a consciência que só Deus, por meio de Seu Filho Jesus Cristo, no Espírito Santo, é que o homem pode viver dignamente a sua vida.

BIBLIOGRAFIA
BARREAU, Jean-Claude (1972) Quem é Deus, Petrópolis: Editora Vozes.
BLANK, J. Renold (1988) Quem, afinal, é Deus? 2ª Edição, São Paulo: Edições Paulinas.
COMASTRI, Ângelo (2000) Tu és Trindade, São Paulo: Edições Paulinas.
FERREIRA, Isabel Fontes Leal (1970) Revelação do Pai e do Espírito Santo, Edições Paulinas.
FORTE, Bruno (1987) A Trindade como História, 3ª Edição, São Paulo: Edições Paulinas.
QUEIRUGA, T. Andrés (1993) Creio em Deus Pai, São Paulo: Edições Paulinas.
SCHULTE, Raphael (1972) Preparação da Revelação da Trindade, in Mysterium Salutis, Vol. II/1, Petrópolis: Editora Vozes.



sábado, 29 de setembro de 2012

PROJECTO GENOMA HUMANO

INTRODUÇÃO
As dissertações concernentes ao Projecto Genoma Humano, que é o tema que abordaremos nas páginas que seguem, mostram em si uma dupla face. Em primeiro lugar encontramos a face dos que se mostram afáveis; e em segundo lugar aqueles que são avessos de forma intransigente ao PGH. Por outro lado, as novas tecnologias biomédicas introduzidas para avaliar o DNA provocam ulteriores interrogações, em particular no impacto social que pode criar.
Como se sabe, o avanço tecnológico alcançou patamares exímios. Porém, este desenvolvimento não é acompanhado com igual valoração da dignidade humana. De lembrar que o reconhecimento deste princípio “deve ser colocado no centro da reflexão ética sobre a investigação biomédica, que tem uma importância cada vez maior no mundo de hoje”[1].
Depois de apresentaremos a definição do Genoma humano, na primeira parte, seguiremos a falar da origem, objectivos e importância do Projecto Genoma Humano; vantagens e desvantagens, aspectos éticos do PGH e suas consequências para culminar na voz do Magistério da Igreja e a apreciação do grupo que vai cerrar a nossa abordagem.

1.        Definição do Genoma
O genoma humano conhece uma variedade de definições. A seguir apresentamos as principais que a ciência biomédica nos apresenta entre as várias que existem.
O genoma humano é um “conjunto de informações necessárias para a formação de um ser humano. Essas informações estão no DNA distribuídas em 23 pares de cromossomas, que carregam os genes, compostos por quatro elementos básicos: Adenina, Timina, Citosina, Guanina”[2]. Portanto, o genoma é o conjunto haplóide de cromossomas de uma espécie. Ou seja, a junção de todo material genético de um ser vivo.
Deste modo, o Projecto Genoma Humano é traduzido como um esforço de pesquisa internacional para sequenciar e mapear todos os genes dos seres humanos, que no seu conjunto é conhecido como genoma. O projeto tem como finalidade decifrar todos os genes da espécie humana, porém os genes que estão isolados, a ciência faz com que voltem para os seus lugares e formem uma proteína. Este projecto inicialmente nasceu com a ideia de identificar as possíveis anomalias genéticas relacionadas à radiação e agentes químicos mutagénicos.
2.        Origem do Projecto Genoma Humano
As primeiras discussões sobre o Projecto Genoma Humano (PGH) “remontam à década de 1980 quando o Departamento de Energia dos EUA promoveu um workshop para avaliar os métodos disponíveis para detecção de mutações durante o qual divulgou a ideia de mapear o genoma humano”[3]. É neste período que criou-se na França, o Centre d’Etude du Polymorsphisme Humaine (CEPH - Centro de Estudos do Polimorfismo Humano), para colectar amostras de sangue e tecidos de famílias extensas e, tornou-se o principal fornecedor de material para a elaboração dos mapas de ligação realizados pelo Généthon.
A ideia de mapear o genoma levantou desde o princípio uma série de controvérsias. Para muitos pesquisadores da época era um projecto irrealizável. Para outros não havia sentido em mapear o genoma pois as informações obtidas seriam desencontradas e não valeriam o esforço. Por outro lado, alguns pesquisadores viram naquela oportunidade a chance de transformar a biologia (e mais especificamente a genética) em “big science”, com direito a financiamentos gigantescos e divulgação ampla.
O projecto foi lançado nos EUA quatro anos depois, patrocinado pelo NIH (National Institute of Health) e pelo DOE (Department of Energy). Em seguida uniram-se ao projecto laboratórios da Europa, do Japão e da Austrália. Surgiu então um organismo de coordenação internacional chamado HUGO (Human Genome Organization), para sintonizar o trabalho e organizar o conhecimento adquirido num banco de dados centralizado, o Genome Database. O presidente do HUGO, H. Van Ommen, afirmou em 1998 que a missão do HUGO era “facilitar e coordenar a iniciativa global de mapear, sequenciar e analisar funcionalmente o genoma humano e promover a aplicação destes conhecimentos ao melhoramento da saúde humana”[4]. Hoje este projecto está sendo desenvolvido por grandes laboratórios e Institutos Nacionais de Pesquisa, dos EUA e da Europa, bem como, por centenas de laboratórios governamentais e particulares de várias partes do mundo, dedicados a mapear e sequenciar o genoma humano.
Numa primeira fase do Projecto, com a liderança de James Watson, foi feito o mapeamento físico dos genes, ou seja, a localização no cromossoma de determinadas sequências do DNA, correspondentes a cada gene do genoma. Numa segunda fase cada laboratório ou instituto de pesquisa recebeu um cromossoma e ficou incumbido de determinar a sequência ordenada e completa dos nucleotídeos que compõem aquele cromossoma, o que inclui genes e regiões controladoras da expressão destes. Basicamente, 18 países iniciaram programas de pesquisas sobre o genoma humano. Os maiores programas desenvolvem-se na Alemanha, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia, Dinamarca, Estados Unidos, França, Holanda, Israel, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia, Suécia e União Europeia.
A questão das patentes foi levantada pela primeira vez pelos americanos, em 1988, quando o PGH não existia oficialmente. Como nos confirma Pessini, “o protagonista da história foi um rato de um laboratório dos Estados Unidos designado por Mec Mice, que entrou para a história da genética por ter sido o primeiro animal oficialmente reconhecido como uma invenção do homem”[5]. Seus criadores foram os biólogos americanos da Hanarde Medical School, em Boston, que inocularam na cobaia um oncogene (gene do câncer) humano capaz de desencadear o câncer de mama. Geneticamente, ele não era mais o mesmo após a experiência. Era um animal produzido em laboratório. Este invento vulgarizou-se quando a equipa do geneticista Garig Venter, do Instituto Nacional de Saúde de Maryland (EUA) isolou em 1990, de uma só vez 337 genes. A conquista foi festejada nos principais laboratórios do mundo. Pouco tempo depois, o Instituto de Maryland requereu patentes para todos os genes descobertos.

3.        Objectivos e importância do Projecto
3.1.   Objectivos
O Projecto Genoma Humano (PGH) é um empreendimento internacional, projectado, no começo, para uma duração de quinze anos. O mesmo teve início em 1990 com vários objectivos, entre eles podemos mencionar:
ü  Identificar e fazer o mapeamento dos cerca de 80 mil genes que se calculava existirem no DNA das células do corpo humano;
ü  Determinar as sequências dos 3 bilhões de bases químicas que compõem o DNA humano, armazenar essa informação em bancos de dados e, desenvolver ferramentas eficientes para analisar esses dados e torná-los acessíveis para novas pesquisas biológicas;
ü  Descobrir todos os genes na sequência de DNA e desenvolver meios de usar esta informação no estudo da Biologia e da Medicina, envolvendo com isso a melhoria e simplificação dos métodos de diagnósticos de doenças genéticas, optimização das terapêuticas para essas doenças e prevenção de doenças multifatoriais (doenças causadas por vários fatores), no que diz respeito à saúde;
ü  Construir uma série de diagramas descritivos de cada cromossoma humano, com resolução cada vez mais apurada. Com efeito é necessário: dividir os cromossomas em fragmentos menores que possam ser propagados e caracterizados; e depois ordená-los de forma a corresponderem a suas respectivas posições nos cromossomas. A informação advinda do projecto deve servir para proteger e melhorar a saúde - curar ou prevenir doenças; determinar a ordem, ou sequência, de todas as bases do nosso DNA genómico;
ü  Descobrir como essas substâncias químicas estão organizadas na longa fita retorcida do DNA;
Segundo Jordan, o verdadeiro objectivo inicial do PGH não era o sequenciamento, muito complexo, caro e trabalhoso, mas um mapeamento detalhado do genoma humano. No decorrer do processo os progressos tecnológicos foram tão grandes que propiciaram o sequenciamento mesmo antes do prazo previsto[6]. De qualquer forma, mapeamento e não sequenciamento foi a estratégia francesa. Os alemães foram sempre os mais reticentes quanto ao projecto.

3.2.       Importância
A grande importância do PGH é sua busca pelo melhoramento humano e a tentativa de tratar, prevenir ou até mesmo curar doenças genéticas considerando-as todas de origem genética, e divulgando que um dia encontremos uma “solução genética” para estas condições de saúde. Porém, auguramos que essas medidas não cedam a exageros que levem à condenação social do ser humano e possa facilitar na melhoria da condição de saúde dos pacientes.

4.        Vantagens e desvantagens
4.1.  Vantagens
O PGH tem o potencial de criar enormes benefícios à humanidade por meio de “prevenção e cura de doenças, compreensão de nossa evolução e origens e muitas outras aplicações, entendendo-se que o conhecimento obtido deve ser uma propriedade valiosa de toda humanidade”[7] sem esquecer que outras vantagens nos poderão surpreender.
As vantagens desse trabalho estão no facto da identificação da cura e da causa de muitas doenças como a obesidade, o diabetes e a hipertensão, o que será de grande benefício para a humanidade. Portanto, existem múltiplas vantagens no uso dos conhecimentos adquiridos sobre o Genoma Humano, pois se poderia detectar se uma pessoa está predisposta a sofrer de cancro, por exemplo, e assim, o tratamento seria mais eficaz. Podemos acrescentar que o conhecimento do Genoma Humano possibilitaria encontrar enfermidades graves num embrião e corrigi-los. Todas estas vantagens traduzem-se no aumento da esperança média de vida. As informações detalhadas sobre o DNA e o mapeamento genético dos organismos devem revolucionar as explorações biológicas que serão feitas em seguida.
Na Medicina, por exemplo, o conhecimento sobre como os genes contribuem para a formação de doenças que envolvem um factor genético, como o câncer, por exemplo, levarão a uma mudança da prática médica. Será dada ênfase à prevenção da doença, em vez do tratamento do doente.
Novas tecnologias clínicas deverão surgir, baseadas em diagnósticos de DNA; novas terapias baseadas em novas classes de remédios; novas técnicas imunoterápicas; prevenções em maior grau de doenças pelo conhecimento das condições ambientais que podem desencadeá-las; possível substituição de genes defeituosos através da terapia genética.
O PGH “já completou a descoberta de mais de 1800 genes de doença, assim como facilita a identificação de outros genes associados a doenças. As ferramentas desenvolvidas no PGH continuam servindo para caracterizar genomas de outros organismos importantes”[8]. A conclusão do projecto já está facilitando o desenvolvimento de fármacos muito mais potentes, a compreensão de diversas doenças genéticas humanas e facilitando a realização de novos projectos genoma.

4.2.  Desvantagens
O Projecto Genoma Humano não acarreta só vantagens também tem desvantagem (éticas e morais), pois o uso indevido dos resultados obtidos deste projecto pode fazer com que as pessoas percam sua individualidade, tornem-se vulneráveis e propícias a uma rejeição social que dificultará sua admissão no emprego.
Do ponto de vista moral e ético, “poder escolher as características dos embriões não é aceitável, uma vez que não vai permitir que exista uma regularidade na continuação da espécie humana”[9]. Aos olhos da sociedade, em geral, não é admissível que se possa criar um ser, que se possa escolher as características, por exemplo: a cor dos olhos ou do cabelo. É como se a vida humana fosse uma tela, na qual o pintor pode colocar as cores que quer.

5.     A ética que norteia o Projecto Genoma Humano
Este Projecto é o maior e mais promissor entre todos os projectos já desenvolvidos no campo das ciências biológicas. Pretendia, até o ano 2005, identificar e mapear todos os genes humanos e sequenciar os três biliões de pares de base que constituem nosso genoma.
Por sua própria natureza, o PGH cerca-se de algumas incertezas éticas, legais e sociais (ELSI). Três itens se destacam na agenda ELSI: privacidade da informação genética, segurança e eficácia da medicina genética e justiça no uso da informação genética.

5.1.       Princípios éticos básicos do Projecto Genoma Humano[10]
O Projecto Genoma Humano rege-se mediante cinco princípios fundamentais: a Autonomia, a Privacidade, a Justiça, a Igualdade e a Qualidade.
ü  O princípio da Autonomia estabelece que os testes deverão ser estritamente voluntários, após aconselhamento apropriado, e que a informação resultante deles é absolutamente pessoal.
ü  O princípio da Privacidade determina que os resultados dos testes genéticos de um indivíduo não poderão ser comunicados a nenhuma outra pessoa sem seu consentimento expresso, excepto talvez a familiares, e mesmo assim após falha de todos os esforços para obter permissão do paciente.
ü  O princípio da Justiça garante protecção aos direitos de populações vulneráveis, tais como crianças, pessoas com retardo mental ou problemas psiquiátricos e culturais especiais.
ü  O princípio da Igualdade rege o acesso igual aos testes independentemente da origem geográfica, racial, étnica e classe socioeconómica.
ü  Finalmente, o princípio da Qualidade assegura que todos os testes oferecidos terão especificidade e sensibilidade adequadas e serão realizados em laboratórios capacitados com adequada monitoragem profissional e ética.
A questão crucial é que não existem maneiras legais de implementar e garantir que os princípios éticos mencionados acima sejam aceites, e provavelmente haverá pressões enormes, principalmente de interesses económicos, para implementação de testes genéticos sem adesão a eles. Outrossim, toda a problemática sobre a ética converge na intervenção social de três elementos: a comunidade científica do Projecto Genoma Humano, que vai gerar o novo conhecimento; o mundo empresarial, que vai transformar esse conhecimento em produtos e oferecê-los à população; e a sociedade como um todo, que vai absorver e incorporar o novo conhecimento em sua visão de mundo e suas práticas sociais, além de consumir os novos produtos.

5.2.  Problemas éticos relacionados com o Projecto Genoma Humano
As vantagens esperadas deste projecto, que foi levado a termo com colaboração de cerca de 3000 cientistas, foram listadas: a possibilidade de identificar os genes responsáveis pelas doenças hereditárias e proceder posteriormente à terapia génica; a realização de um arquivo internacional de todas as bases azotadas que compõem e representam o genoma humano; a tipificação de alguns mediante emprego de polimorfismo de ADN, na maior parte para uso criminológico ou determinação de paternidade, mas também para conhecer as predisposições para as doenças num particular ambiente laboral.
Mas a par destas vantagens esperadas evidenciam-se alguns riscos e problemas de natureza ético, ligados precisamente às possibilidades de novos conhecimentos do tipo genético[11]:
a)        O primeiro problema que foi posto em evidência é determinado pela possibilidade de uma mais ampla aplicação do diagnóstico pré-natal com finalidades eugénicas. Pode passar a ter mais ampla aplicação, levando a que o diagnóstico pré-natal, em vez de se destinar a melhor terapia do feto ou um seu melhor acolhimento, ou pelo menos, a ser ocasião de responsabilidade da mulher e do casal, passa sofrer uma distorção de objectivos. Além disso, quando o exame pré-natal passar em evidência uma precisão de doença genética de manifestação tardia, como por exemplo da doença de Huntington[12], os problemas éticos aumentam. Porque a não ser na eventualidade de aborto, neste caso, provavelmente, nem sequer é lícito segundo a lei, pois não se trataria ainda de «malformação» e «anomalia» presente no feto, mas de qualquer forma, sempre ilícito do ponto de vista moral; põe-se o problema complexo da informação. Esta não pode ser dada ao sujeito ainda são, se não quando este peça e sempre já na maioridade; no caso de sujeito menor, pode ser, em contrapartida, dada aos progenitores ou representantes legais ou irmãos, examinando-se caso a caso de cada situação;
b)        Um outro problema evidenciado consiste na construção de bancos de dados sobre os sujeitos submetidos à investigação. Esses bancos de dados deveriam estar disponíveis apenas a privados para fins científicos ou por decisão de um tribunal.
c)        O terceiro tipo de risco é de tornar possível, mediante monitorização genética, uma discriminação no posto de trabalho de todos os sujeitos que possam ser geneticamente sensíveis a alguns agentes químicos presentes no ambiente de trabalho.
Outra consequência advinda da conclusão desse mega projecto é o que A. Jonsem chama de “medicina genómica”, uma prática sanitária que avançará de maneira bastante significativa no prognóstico de doenças que o indivíduo pode vir a sofrer no futuro próximo. Ademais, “a intimidade biológica do indivíduo poderá ser conhecida após a extracção de algumas gotas de sangue e a utilização dos chamados marcadores genéticos”[13]. Mas deve-se agir com grande rigor: a imensa maioria das doenças hereditárias não deriva de uma causalidade genética precisa, mas de factores ambientais ou do tipo de vida da pessoa. Por outro lado, o desenvolvimento e a finalização do PGH proporcionarão conhecimentos importantes sobre o diagnóstico e o prognóstico das pessoas, mas terão bem poucas possibilidades terapêuticas sobre as anomalias genéticas reconhecidas.
Por tudo isso, é certo que o aprofundamento no conhecimento da base genética das pessoas pode ter graves consequências para o próprio interessado e especialmente nos âmbitos empregadores, dos seguros e convénios. A selecção dos candidatos a um cargo poderá excluir essas pessoas dos postos do mercado do trabalho. Daí que, “como as análises do genoma do indivíduo afectam sua intimidade biológica mais profunda, deveriam ser feitas sempre em benefício deles, com sua expressa e bem informada anuência, a salvo das descriminações”[14] anteriormente citadas.

5.3.  Consequências gerais do Projecto Genoma Humano
Uma das preocupações, advindas do Projecto, é que numa sociedade em que as pessoas podem ser estereotipadas pelo genótipo, o poder institucional se torna mais absoluto. Ao mesmo tempo, a divisão da sociedade em indivíduos e grupos “superiores” e geneticamente “inferiores”, surgirá uma nova classe social poderosa. Para evitar uma possível classe de desempregados, descriminados geneticamente, será preciso fixar limites e impedir que instituições pratiquem a discriminação.
Um dos temores, é que os empregadores passem a exigir teste de DNA dos seus operários, levando a uma exclusão social por conta apenas de uma probabilidade, e não de uma certeza de alguma doença; isso levará a uma criação de um possível novo grupo de trabalhadores desempregados, neste século da biotecnologia, baseado apenas nos seus genótipos. Por isso, muitos profissionais da área de saúde preocupam-se com o facto de que milhões de pessoas possam vir a ser rotuladas por toda vida com os estigmas de doentes, pelo simples facto de poder apresentar futuramente uma doença o que levaria à sua exclusão social e perca de emprego.
Como toda nova descoberta científica, a desafiadora tarefa de mapear e sequenciar o genoma humano levanta diversas questões de cunho ético, social e legal. “Se cada gene é património individual, seria correcto a sua patente por uma empresa privada, por exemplo?”[15] Esta é uma das principais questões levantadas quando se pensa nos milhares de genes que estão para ser descobertos e caracterizados e naqueles que já foram patenteados.
Uma das metas principais, senão a principal, do Projecto Genoma Humano, é a criação de uma medicina genética, que poderá num futuro próximo identificar falhas ou erros no genoma de um indivíduo e com isso criar uma terapia genética para corrigi-los. Devemos saber, entretanto, que esta é uma visão muito determinista e reducionista do que seja um indivíduo e suas características, mesmo aquelas relacionadas a doenças de fundo genético. Lembremos que o gene não actua sozinho na determinação das características individuais. A expressão do gene é modelada pelo ambiente, por factores epigenéticos (do desenvolvimento), e por factores aleatórios. Neste sentido, se uma doença vai se expressar ou não, numa dada pessoa, não depende única e exclusivamente de determinado gene.

6.    A voz do Magistério da Igreja
Como temos vindo a frisar, as novas descobertas e o progresso tecnológico no campo da biogenética são de tamanha importância e como tal suscitam também certas dúvidas. A Igreja, “perita em humanidade”[16] não fica alheia a estes novos inventos científicos, eis porque razão ela sempre se pronuncia.
A Donum Vitae considera legítimas as intervenções terapêuticas no embrião humano, “sob a condição de que respeitem a vida e a integridade do embrião, não comportem por eles riscos desproporcionados e sejam orientados para a sua cura, para melhoria de suas condições de saúde ou para sua sobrevivência individual”. Ela admite o tratamento de diversas doenças do embrião, “como as que devem a defeitos cromossómicos”, uma vez que “tendem a promover verdadeiramente o bem-estar pessoal do indivíduo, sem causar dano à sua integridade e sem deteriorar suas condições de vida”[17].
A Instrução condena a possível aplicação futura da manipulação genética no ser humano com fins eugenéticos: “algumas tentativas de intervenção no património cromossómico ou genético não são terapêuticas, mas visam a produzir seres humanos seleccionados segundo outras qualidades pre-estabelecidas. Essas manipulações são contrárias à dignidade pessoal do ser humano, à integridade e à sua identidade. Cada pessoa deve ser respeitada por si mesma”[18].
Há certas referências ao valor do progresso científico ou tecnológico, mas a tónica recai na necessidade de uma criteriologia ética que seja capaz de colocar todo esse progresso a serviço do homem. Torna-se especialmente necessária e presente uma maior sensibilidade ética e uma crescente comunhão entre ciência e consciência. Por isso, João Paulo II afirma que «a ciência é um trabalho humano e deve ser dirigido unicamente para o bem da humanidade. A tecnologia, como transferência da ciência à aplicação prática, deve procurar o bem da humanidade e jamais trabalhar contra esse bem»[19].
É um dado de facto que as ciências biomédicas registam actualmente um momento rápido e de maravilhoso desenvolvimento, sobretudo com relação às novas conquistas no campo da genética. Mas não podemos negar de que a ciência sucumba à tentação do poder demiúrgico. Para João Paulo II, portanto, a dignidade humana constitui o critério básico de referência para avaliar as novas tecnologias genéticas. Diz ele, é preciso evitar os reducionismos no campo dos avanços genéticos: «princípios éticos claramente definidos devem ser preponderantes na área da biotecnologia … A pessoa humana é muito mais que um composto de elementos bioquímicos, e não deve ser objecto de experimentos biológicos ou químicos em vista do puro progresso da biotecnologia. Qualquer intervenção sobre a estrutura ou o património genético da pessoa que não seja orientada para a correcção de anomalias constitui uma violação do direito à integridade».[20] Da mesma forma, ele sublinha que o compromisso ético em favor da vida em cada estágio se estende hoje à defesa do património genético do ser humano contra qualquer alteração ou selecção.
João Paulo II reconhecia que a necessidade de fomentar estudos do PGH com a condição de que eles abram perspectivas novas de assistência ou tratamento génico, que respeitem a vida e a integridade das pessoas e visem salvaguardar ou curar individualmente os pacientes, nascidos ou por nascer, afectados por patologias mortais. Mas alertava o perigo de uma selecção de embriões que “elimine aqueles que estiverem afectados por doenças genéticas ou que sejam portadores de características genéticas patológicas”[21]. Ele ressaltava o perigo de uma medicina preventiva que transforme o embrião humano em objeto de experimentação, dado que o património genético é um tesouro que pertence a um ser singular que tem direito à vida.
De acordo com as orientações éticas básicas que norteiam o projecto genoma, João Paulo II reitera a obrigação de um consentimento esclarecido do sujeito adulto sobre o qual se efectua a pesquisa genética, bem como do respeito ao sigilo sobre os elementos que poderiam ser conhecidos e que repercutem na pessoa e em sua descendência. Por outro lado, deve-se evitar também que os dados médicos relativos às pessoas especialmente os contidos no genoma, sejam exploradas publicamente em prejuízo delas.

7.     Apreciação crítica
Como grupo consideramos que o Projecto Genoma Humano constitui um avanço positivo no campo da genética, com importantes repercussões na prática médica. Conhecer a base genética da qual se originam as doenças hereditárias é um caminho necessário para seu tratamento posterior. Contudo, a busca do “homem ideal” pode acarretar injustas descriminações, novas formas de racismo, de dominação do homem pelo homem, bem como a crença unilateral e deturpada de que os genes é que diferem e determinam a qualidade do ser humano. É imperioso que as pesquisas terapêuticas cheguem “o mais rádipo possível a resultados concretos”[22].
Julgamos que uma rápida transição da descoberta do gene à integração na prática clínica pode resultar no desenvolvimento e oferecimento prematuro de testes genéticos. Estudos epidemiológicos são necessários para validação de testes genéticos, monitorização de seu uso pela população e determinação da segurança e efectividade dos testes em diferentes populações. Reafirmamos a reflexão de Flecter para quem “os problemas éticos com que deparam os geneticistas são de três categorias: dos que ocorrem na prática da medicina genética humana; dos que são suscitados pelo desenvolvimento da nova genética e, dos que são de natureza socio-ética”[23].
Avaliando temerariamente este projecto podemos frisar que, a dinâmica do progresso e da tecnociência, atropelou a reflexão ética, as instituições do saber e as instâncias legisladoras. Há perplexidade em face da constatação de inadequação dos pressupostos até há pouco aceites, sem que uma solução satisfatória se vislumbre no horizonte.

Conclusão
O Projecto Genoma Humano como um invento é uma realidade que surpreendeu os seus protagonistas, na medida em que os resultados colhidos nele superaram as expectativas, seja a nível dos efeitos para o desenvolvimento da técnica genética e da própria medicina genómica, seja a nível do tempo previsto para a conclusão do projecto. Por isso, jamais poder-se-ia negar o maior progresso científico trazido pela conclusão deste trabalho, embora continuem aprofundamentos no campo da interpretação dos dados do genoma, no sentido de prevenir alguns constrangimentos no procedimento de casos concretos. Pois, o conhecimento detalhado destes dados, e uma compreensão mais profunda dos processos de doença ao nível da biologia molecular pode determinar novos procedimentos terapêuticos em favor da saúde humana.
Embora muitos sejam os benefícios colhidos e ainda esperados, nunca nos podemos eximir de lamentar sobre os problemas éticos provindos deste grande avanço na investigação da vida e da saúde. Como pudemos ver ao longo do trabalho, corre-se o risco de criar uma sociedade a bel-prazer do homem, ou seja, segundo padrões determinados por alguns interessados, violando, deste modo, o direito, o valor e a dignidade própria da vida humana. É neste âmbito que o Magistério da Igreja apela para que todo tipo de investigação não fira o respeito e o valor da dignidade do homem criado à imagem e semelhança de Deus. É preciso escutar a voz da própria consciência em qualquer intervenção no património genético, como pertença de toda a humanidade.
Bibliografia
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[1] Congregação para a Doutrina da Fé, Dignitas Personae, LEV, Vaticano 2008, 1.
[2] Jorge da Costa GARCIA, Proyecto genoma humano, Sigueme, Bilbão 1994, 35.
[3] José Roberto GOLDIM, El Proyecto Genoma Humano, Graft, Valencia 1990, 45.
[4] Jorge da Costa GARCIA, op. cit., 57.
[5] José Roberto GOLDIM, op. cit., 68.
[6] Cf. Lócus citatus.
[7] I Conferência Norte-Sul do Genoma Humano, realizada em Caxambu (MG) de 12 a 13 de Maio de 1993.
[8] J. GAFO, Ética y biotecnologia, Sigueme, Madrid 1993, 110.
[9] Lócus citatus.
[10] Léo PESSINI, Christian de Paul de BARCHI FONTAINE, Problemas actuais de Bioética, Loyola, São Paulo 20005, 217-218.
[11] Elio SGRECCIA, Manual de Bioética, fundamentos e ética biomédica, Princípia, Portugal 20091, 412-413.
[12] É um distúrbio neurológico hereditário raro.
[13] Nodari Stefenon GUERRA, A biotecnologia, Vozes, Petrópolis 2008, 15.
[14] Michel LACROIX, Por uma moral planetária, Paulinas, São Paulo 1996, 78.
[15] Guy DURANT, A Bioética: natureza, princípio e objectivos, Paulus, São Paulo 1995, 19.
[16] Concílio Vaticano II, Const. Past. Gaudium et Spes, AO, Braga 199211, 3.
[17] Congregação para a Doutrina da fé, Inst. Donum Vitae, LEV, Vaticano 1988, 3.
[18] Ibidem, 6.
[19] FERNÁNDEZ, 10 palavras-chave em Bioética, Paulinas, São Paulo 2000, 194.
[20] Ibidem, 195
[21] Locus citatus.
[22] BENTO XVI, Exort. Apost. Africae Munus, LEV, Vaticano 2011, 73.
[23] Léo PESSINI, op. cit., 211.